segunda-feira, 29 de julho de 2013

JOÁO CABRAL DE MELO NETO - POEMA À CLARICE LISPECTOR



Contam de Clarice Lispector

Um dia, Clarice Lispector
intercambiava com amigos
dez mil anedotas de morte,
e do que tem de sério e circo.
Nisso, chegam outros amigos,
vindos do último futebol,
comentando o jogo, recontando-o,
refazendo-o, de gol a gol.
Quando o futebol esmorece,
abre a boca um silêncio enorme
e ouve-se a voz de Clarice:
Vamos voltar a falar na morte?
Retirado de: AGRESTES (Poesia – 1981/1985), Nova Fronteira: Rio de Janeiro, 1985

quinta-feira, 25 de julho de 2013

ÚLTIMO BILHETE DE CLARICE




“Minha alma tem o peso da luz.  Tem o peso da música. Tem o peso da palavra nunca dita, prestes quem sabe a ser dita. Tem o peso de uma lembrança. Tem o peso de uma saudade. Tem o peso de um olhar. Pesa como pesa uma ausência. E a lágrima que não se chorou. Tem o imaterial peso da solidão no meio de outros.”


Clarice escreveu o seu último bilhete no leito no Hospital da Lagoa, no Rio de Janeiro, no dia 7 de Dezembro de 1977.




sábado, 20 de julho de 2013

DEPOIMENTO DE FAUZI ARAP - publicado no JORNALGGN.COM.BR

A primeira vez de Clarice Lispector no teatro
Por Helena Aragão
Ler Clarice Lispector não é algo trivial. Adaptar seu texto para o teatro, então, é atitude de coragem. Não à toa, esta palavra – “coragem” – é a mais usada nas críticas à primeira experiência de transposição da obra da autora para os palcos. Perto do Coração Selvagem, espetáculo de Fauzi Arap encenado entre os anos de 1965 e 66 no teatro da Maison de France, reuniu trechos do livro homônimo (a estreia de Clarice, de 1944), A Paixão segundo GH e A Legião Estrangeira. No elenco, Glauce Rocha, Dirce Migliaccio, um iniciante José Wilker e o próprio Fauzi Arap se revezam em pequenos monólogos, classificados por alguns jornalistas como declamações. Clarice não só autorizou a adaptação como esteve próxima dos corajosos artistas, conforme mostrou Carlos Moskovics, do Estúdio Foto Carlos, em ensaio de bastidores (veja a galeria à esquerda).
Nada elementar, minha cara Clarice
As tantas críticas disponíveis no dossiê sobre a peça no Centro de Documentação (Cedoc) da Funarte mostram que Clarice não é elementar nem na literatura nem no teatro. Enquanto Fausto Wolff celebrou a dimensão humana dos textos da autora em formato teatral naTribuna da Imprensa de 21 de dezembro de 1965, Yan Michalski afirmou no Jornal do Brasil do dia 11 do mesmo mês que aquele pensamento autoanalítico e conceitual não funciona no palco.
Em entrevista ao Correio da Manhã em 25 de novembro de 1965, Arap explicou suas opções: “Foi lendo A Paixão… que me ocorreu a possibilidade de transformar o romance ou coisa, em um monólogo, ou em uma outra coisa capaz de ser realizada num palco, existida num palco. Meu trabalho foi quase como que o trabalho de um montador em cinema, utilizando vasto material que dispunha”.
Houve também quem reclamasse das escolhas do “montador”, argumentando que haveria na obra dela textos “menos densos e mais representáveis”. Mas o mais interessante é ver como os críticos avaliaram a perspectiva mais ampla de se transpor textos literários para os palcos. Van Jafa (Correio da Manhã de 15/12/1965) acreditava que cometeram uma imprudência ao “ler em cena aberta trechos de livros decididamente feitos para serem lidos na intimidade”.
Apesar de reservada e discreta, Clarice parecia não concordar com a essa ideia. Nas fotos da galeria à esquerda, vê-se a escritora à vontade, entre conversas e risos, em meio aos atores do espetáculo.