quarta-feira, 26 de novembro de 2014

REALIDADE




Em ti o meu olhar fez-se alvorada, 
E a minha voz fez-se gorjeio de ninho, 
E a minha rubra boca apaixonada 
Teve a frescura pálida do linho. 

Embriagou-me o teu beijo como um vinho 
Fulvo de Espanha, em taça cinzelada, 
E a minha cabeleira desatada 
Pôs a teus pés a sombra dum caminho. 

Minhas pálpebras são cor de verbena, 
Eu tenho os olhos garços, sou morena, 
E para te encontrar foi que eu nasci... 

Tens sido vida fora o meu desejo, 
E agora, que te falo, que te vejo, 
Não sei se te encontrei, se te perdi... 


Florbela Espanca, in "Charneca em Flor"